domingo, 26 de abril de 2015

Sede simples como um dia Jesus foi

Alguns dias atrás, ao escrever sobre a vida simples, me dei conta do quanto a simplicidade de Cristo merecia um capítulo a parte. Motivos? Muitos, os quais estarei dedicando o decorrer do texto para falar a respeito. Mas de início quero chamar a atenção para um fato, disposto logo no título desta reflexão.

Considero a simplicidade de Jesus imperativa, o que me levou a, pela primeira vez, usar um verbo no imperativo logo na indicação do tema. Sede, do verbo ser. Mas aí, você me pergunta: o que quer dizer com simplicidade imperativa? Devo ter sede pela vida simples? Jesus teve sede? Como Cristo foi simples? Vinde e vede como o Senhor é bom.


Sede. Desejo ardente. Busca por aquilo que falta. Vontade desmedida. Necessidade urgente. Vale a reflexão do termo além da flexão do verbo. Afinal, ter sede tem por si só um significado. Lembro da música que nos provoca:

Comida é água
Bebida é pasto
Você tem fome de quê?
Você tem sede de quê?
(Titãs - Comida)

A música dava uma conotação política para a sede. Mas quando olhamos para o nosso interior, tudo o que vemos é sede. E há sede porque há falta. Afinal, do que você tem sede? O que lhe falta para ser feliz de fato?



Quando me fiz essa pergunta, há muito tempo atrás, tive como resposta que me faltava amar como Jesus amou. E não me restou outra ideia senão seguir os Seus passos, afinal Ele é o verdadeiro caminho. E assim, esbarrei na simplicidade de Jesus.

Nós humanos temos a triste mania de complicar as coisas para torná-las mais atraentes, mais importantes, para nos destacar na multidão. Mas quando olhei para Jesus, me assustou como a forma simples de ser e agir entre as pessoas era capaz de mover tanta gente por onde ele passava. Embora humano, existia algo especial Naquele homem. E sua autenticidade residia em sua simplicidade.

(imagem: blog.cancaonova.com)

Não a toa usa-se o símbolo do cordeiro para representar o Cristo. Um animal simples antes de tudo, e que foi imolado para tirar-nos o pecado do mundo.

Jesus era simples quando reunia os discípulos diante dele e começava a pregar. Que mais são as parábolas senão histórias infantis? E nunca alguém se sentiu infantilizado ao ouvir Suas histórias, pois eram ricas de sentido, de fácil entendimento e sempre deixavam uma provocação no ar.

Jesus sempre trouxe suas parábolas para próximas da  realidade do povo, e quem se propor a anunciar o Evangelho nos dias de hoje deve fazer o mesmo. Longe de buscar provas científicas para os milagres ou apresentar Jesus como o único caminho possível. Cristo criou multidões através de convites e sempre respeitou a opinião de cada um.


Isso não quer dizer que Ele concordou com a opinião de todos. E aqui, trago a simplicidade imperativa que apresentei no início do texto. Temos por simples uma pessoa destituída de valores e de poder. Confundimos simplicidade com pobreza muitas vezes. E quando olhamos para Jesus, somos obrigados a rever nossos conceitos.

Nunca faltou poder a Ele, mas como Ele mesmo disse, o Seu Reino não era aqui! E desde o seu nascimento, sabendo por tudo o que haveria de passar, trilhou seus passos  sem que nada pudesse impedí-Lo de seguir.

Por isso, meu irmão, minha irmã, sede simples. Tenha isso não como uma ordem, afinal eu não tenho esse poder, e nem mesmo Aquele que o tem faz uso dele deste modo. Mas tome isso como um convite. Despretencioso, talvez. Mas de quem já viveu momentos onde a paz pode ser de fato vivenciada no que há de mais simples e belo nesse mundo.

Sede simples como um dia Jesus foi. Eis um convite do céu.


terça-feira, 21 de abril de 2015

O mal e o bem


Os super-heróis estão em alta, gerando milhões de dólares de lucro para o cinema americano. E isso acontece por um motivo simples: eles sabem que a batalha entre o bem e o mal nunca sai de moda.

Quando se tratam de histórias infantis ou de ficção, o suspense momentâneo caminha ao lado da certeza de que no fim da história, veremos a vitória do lado bom da força. Mas por que quando se trata de nossas vidas essa certeza parece tão distante de nós? O mal da vida real nos parece mais assustador que os vilões dos quadrinhos? Ou o bom da vida real não nos convence? Hoje, uma crônica sobre o mal e o bem.


Como disse anteriormente no texto sobre amar as diferenças, as figuras do "anjinho" e do "diabinho" estão muito presentes na nossa cultura, indicando que esta batalha entre o bem e o mal acontece dentro de nós. Sim, isso é verdade. Mas não sejamos tão ingênuos quanto a isso.

Se existem forças opostas dentro de nós, nos dizendo o que devemos e não devemos fazer, nem sempre é tão fácil compreender essa ambivalência. Pois além disso, nós temos a tendência inata a buscar o nosso prazer próprio em detrimento dos outros. E aí o que pode parecer "anjinho" pra mim torna-se "diabinho" na vida dos outros.


Desta ambivalência nossos contos de fadas e histórias de heróis estão cheios. A maçã envenenada dada pela bruxa para a Branca de Neve, para tornar a ser a mais bela das mulheres. A ladroagem de Robin Hood, justificada pela divisão de bens dos que tinham mais aos que tinham menos, mas que mesmo assim se tratam de roubos e furtos. Enfim, não nos faltam exemplos.

E o que torna tudo isso um fascínio para crianças e adultos até os dias de hoje é a proximidade de toda essa luta dentro de cada um de nós. No fundo, todos nós gostaríamos de ter super poderes e resolver os nossos problemas como num passe de mágica. Mas nosso Deus não deu poderes a um homem em detrimento dos outros. Ele nos criou com as mesmas possibilidades.

(Une enfance dans la lune, de Benoit. Obra de 2007)

Tudo o que há de bom vem de Deus. Ele é a própria essência da bondade, e qualquer acesso Dele à maldade o tornaria em outra coisa que não fosse Deus.

Tudo que há de mal vem da concupiscência de nossa carne. Nossa inclinação ao prazer egoísta nos leva ao pecado, que sendo consumado, leva a morte (Tg 1, 15). E aqui a Bíblia não diz sobre a morte da corpo, que é finito e pecador. Mas fala sobre a morte do espírito, que é aquilo que nos mantém em comunhão com Deus.

A vitória do bem sobre o mal não é portanto uma questão de conversão, mas de convencimento. A vitória já nos foi dada, basta aceitá-la e vivê-la com fé e confiança.


Se existe algo que não podemos esquecer ao sentar-nos diante da tela de um cinema é que, quando a ficção acabar, a realidade estará sempre ao nosso favor, pois a vida um dia venceu a morte, em Cristo Jesus.

Que tudo que há de bom nos leve ao verdadeiro caminho da paz.



segunda-feira, 20 de abril de 2015

Deus é gratuito

Deus é bom todo o tempo; todo o tempo, Deus é bom. Esta já se tornou uma máxima dentro do ambiente cristão. Porém o significado desta frase muitas vezes escorre por nossos dedos. Uma das principais características do amor de Deus está em sua gratuidade. Ele não cobra ingresso ou passagem. Basta sentir-se amado.

Mas por que isso se torna uma tarefa tão difícil em alguns momentos de nossas vidas? O que significa ser benevolente a todo momento? Deus é de fato gratuito? Qual é o valor do amor de Deus? Hoje é tempo de viver da graça.


Antes de falar sobre Deus, vale a pena fazer uma reflexão sobre o termo gratuito. Entender o valor atribuído a coisas de graça faz toda a diferença. Aliás, a própria expressão "de graça" faz referência a qualidade do ser. Gratia, palavra latina, era usada no batismo dos primeiros cristãos, que junto da graça de Deus, recebiam um nome, uma identidade dentro da Igreja. Assim, aquilo que é grátis vem "da graça".

Hoje, porém, ser grátis significa automaticamente ter pouco ou nenhum valor. Quando recebemos algo de graça, nem contestamos a possível falta de qualidade que aquilo tem. A sabedoria popular manda que cavalo dado não se olhem os dentes. E embora valha até injeção de testa, recebemos o que é gratuito por modismo. Ou comodismo.


Os cursos gratuitos não são vistos com bons olhos. A merenda dada nas escolas públicas são preparadas com alimentos de baixa qualidade. O horário eleitoral gratuito é um verdadeiro show de horrores. O wi-fi gratuito dos estabelecimentos é sempre lento. Tudo isso somado à lei do menor esforço nos leva a equivaler gratuidade e baixa qualidade.

Logo entendemos porque entender o amor e a misericórdia de Deus se torna tão complicado nos dias de hoje. Porque em linhas gerais, não precisamos pagar preço nenhum por eles. Mas nos esquecemos que isso acontece porque nosso preço já foi pago.


Nosso preço foi pago na cruz por Jesus. Mas somos convidados a crer sem ter visto (Jo 20, 29), pois a morte e ressurreição de Cristo já estavam nos planos de Deus desde a criação do mundo, assim como tudo que há de bom Nele.

Deus é bom a todo o tempo porque sua essência é o mais puro amor que existe. Se lhe fosse possível acessar o mal, Ele deixaria de ser Deus. Sua benevolência vem de graça, sim. Porque não seria digno cobrar por algo que não somos capazes de pagar.



Mas a graça de Deus é uma escolha particular. Junto da misericórdia no momento de nossa criação, Deus nos deu o livre arbítrio, nos dando o poder de decisão sobre os caminhos que iremos trilhar. Liberdade esta capaz de escolher por viver longe da graça de Deus.

E aqui a situação é como daquele que não entra na fila. Se a paciência de quem está na fila vislumbra uma felicidade no final, a angústia de quem não se arrisca tende a ser muito maior.


E é por isso que viver longe de Deus é uma escolha de poucos, que o conheceram e mesmo assim o negaram. Para todos os demais, inclusive aqueles que nunca ouviram o Seu nome, a misericórdia e o amor são infinitos. Gratuitamente.

Que possamos cada dia mais beber da graça de Deus em nossos dias, e possamos dar valor a cada ato repleto de Seu infinito amor.


sexta-feira, 3 de abril de 2015

A Paixão do Homem Deus

Chegamos ao dia da morte e ressurreição de Jesus. Embora muitas coisas queiram nos fazer acreditar que esta seja apenas mais uma sexta-feira santa, apenas mais uma Páscoa, apenas mais uma ressurreição, o que a nossa Igreja pede é que vivamos este tempo com um sabor novo.

Por que vivemos anualmente estas datas? Por que chamamos de Paixão e não de Amor? E quanto à Quaresma, o que levamos dela? Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. (Mt 26, 41).


Paixão. Acentuada predileção. Gosto vivo. Movimento impetuoso da alma. O dicionário traz uma série de significados intensos para este forte sentimento. Sentimento este conhecido por todos nós, humanos. Quem nunca se apaixonou?

A escolha da palavra para designar a morte de Cristo remete a toda a intensidade da experiência a partir do aspecto humano. Foi intenso aquele povo que, enfurecido, gritou aos ventos para que Ele fosse crucificado. Foi intensa a perplexidade do ladrão Barrabás ao perceber que se beneficiaria de tal fúria. Foi intensa a dúvida de Pilatos, que não viu pecado algum Naquele homem, mas mesmo de forma incerta, lavou as mãos. Foi intensa a dor sofrida por Jesus em cada momento, do julgamento ao carregar da cruz.


Falamos de paixão, e não de amor. Não, não faltou amor de Deus por nós, ali representado nas três pessoas da Trindade. Mas assim como a paixão de um homem pelas coisas acaba, mas permanece o amor, a paixão de Jesus passou.

A morte passou, e a vida nova permaneceu. O pecado foi derrotado, e a misericórdia infinita de Deus prevaleceu. A dúvida dos discípulos de Jesus se foi, e deu lugar a certeza de que Ele era realmente o Filho de Deus.


Acredito que Jesus não veio para santificar o humano, mas para humanizar o sagrado. A partir Dele nos tornamos filhos adotivos de Deus, tendo Ele como o caminho, a verdade e a vida a seguir.

Cada Páscoa tem um significado especial porque não estamos no mesmo passo do caminho. Se estamos cada vez mais próximos do Pai, é natural que vivamos com mais intensidade, que tudo ganhe um sentido novo. E é isso que espero de todos, de todo o meu coração. Mas, se a franqueza lhe obrigar a dizer que hoje se sente mais longe do céu, não se deixe desanimar.

Pois a Paixão passa, mas o Amor de Deus por nós prevalece.


quarta-feira, 1 de abril de 2015

A simplicidade


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Simples. Feito de poucas partes. Sem complicação. Aquilo que não há nada a esconder. Modesto. Claro. Evidente. Natural. Livre de luxo ou ostentação. Fácil de entender.

O mundo onde vivemos é um convite a riqueza. Riqueza de estímulos*, nos impedindo de enxergar os pequenos milagres que acontecem todos os dias diante de nossos olhos. Riqueza de objetos, que nos personalizam de forma que acreditamos ter uma identidade própria, porém nos fazem apenas mais do mesmo, estampando marcas e ideias como verdadeiros outdoors ambulantes. Riqueza de tarefas, nos deixando a sensação de que nunca daremos conta e 24 horas por dia não valem de nada, bom mesmo seriam umas cinquenta. Mas ao contrário, faltam sonhos, faltam olhares sinceros e sobra o sentimento de vazio ao final de cada dia.

Por onde anda a simplicidade da vida? Nos perdemos no meio do caminho? Como aprender a ter prazer pelas coisas simples da vida? Este é um convite ao retorno às origens.

(Imagem: chuvadepalavras.spaceblog.com.br)

Quando falo em uma volta às origens, me refiro ao começo de tudo, nossos primeiros dias de vida. Não comparemos a vida de um adulto com a vida de um bebê, afinal, a quantidade de tarefas e estímulos* é incomparável. Mas peço que observemos a forma como os bebês apreciam o mundo.

Após vários meses dentro da barriga da mãe, onde havia pouco além de ruídos desconhecidos e escuridão, o bebê se impressiona com o mundo aqui fora. O mundo é belo, afinal tudo é novo. A pele da mãe, o rosto do pai, os brinquedos coloridos, o sabor do leite materno, tudo apreciado com a certeza de que o mundo é belo por si só.

(Imagem: pensamentosbrilhantes.blogspot.com.br)

Não é à toa que as coisas mudam com o passar do tempo. Nosso cérebro é construído de forma a se adaptar a realidade, poupando energia ao depararmos com estímulos* conhecidos. Reagir com intensidade aos mesmos fatos do cotidiano nos deixaria cansados e não nos abriria ao novo, o que não seria positivo.

Isso explica como o tempo cura feridas como a morte de uma pessoa próxima, por exemplo. O estímulo* é o mesmo, mas vivido com menor intensidade. O luto é exatamente este processo de adaptação a nova realidade que a vida nos impõe.



Não ver o simples é, portanto, compreensível. Mas não podemos negar como tudo isso continua dentro de nós. Tudo o que queremos nos dias de folga e feriados é uma rede preguiçosa pra deitar, não é mesmo?

Mas nem só de feriados vive o homem. Passamos a maior parte do dia entre obrigações e cobranças. Entre a falta de tempo e a necessidade de dar conta de tudo, o simples desce pelo ralo.

Em momentos como esse a natureza costuma jogar ao nosso favor. Não existe lugar onde ela não alcance. O desenho das nuvens, os pássaros que visitam nossos quintais e cantam em nossos telhados, a chuva que cai mesmo sem avisar, a sombra das árvores, a pureza de espírito de nossos animais de estimação. Estes são só alguns exemplos de como o simples está diante de nossos olhos diariamente. Mas não basta ver, é preciso enxergar. Pequenas pausas no dia entre uma tarefa e outra e pronto, tudo isso estará a nosso alcance.


Pessoalmente falando, admiro demais a simplicidade dos pássaros. Desde criança me impressionava como penas tão leves e frágeis poderiam juntas servir tão bem. E quanto a vida dos pássaros, quanta simpicidade! Nascem completamente dependentes dos pais, mas ao aprenderem a voar, tornam-se autênticos e independentes. Quando chega a época da procriação constroem ninhos com coisas que a natureza dá e não damos valor, como ramos, folhas e galhos. E quando os filhotes nascem, permanecem vigilantes, sem nunca deixar de cantar em agradecimento pelo que possuem.

Sem dúvida Jesus tem muito a nos ensinar a esse respeito, mas reservei outro texto para falar Dele. Não deixe de conferir aqui!

Que possamos aprender com os bebês e os pássaros a se encantar de novo pelas coisas simples da vida!







* por estímulos, quero dizer os estímulos sensoriais, ou seja, tudo aquilo que conhecemos e sentimos através dos cinco sentidos (visão, audição, paladar, tato e olfato).



Adendo: algumas horas após a publicação deste post, estava andando de moto quando esta borboleta entrou no meu capacete. Pensei que ela havia morrido, mas quando tirei o capacete, ela saiu voando e pousou na minha cama, ficando por ali por várias horas. Alguém quer me falar algo sobre simplicidade! :)